Homem de comunicação, ele baseou sua existência na busca da liberdade, da justiça e da paz. Henfil o desenhou quixotesco com a pena fazendo as vezes de lança. A escrita era sua trincheira. Estão aqui reunidos neste site pequenos fragmentos de campanhas (publicitárias, civilistas, partidárias); de uma intensa atividade epistolar; imagens de uma vida inteira, 78 anos “bem bebidos”. No prefácio de Vale o Escrito, Carlito escreveu uma sintética auto-biografia: “magro, raquítico mesmo, não sei onde tenho ido buscar energias nesta luta insana. De poder dizer das coisas que sinto, porque pensar não é meu forte… Sou um fracasso bem sucedido, venci na vida perdendo. Sorte demais, um rabo tamanho família”.

Torto na vida, alimentava o apelido e lhe deu ares de heterônimo – como os de Fernando Pessoa, um de seus poetas de cabeceira. Carlito parecia ser onipresente. Esparramava-se em textos e flores por São Paulo, cidade que adotou desde pequeno, para onde seus pais vieram, ele ainda criança (pouco depois de seu nascimento a 19 de fevereiro de 1924 na cidade mineira de Lavras). Seus buquês de flores, que fizeram Lourenço Diaféria supor que o amigo fosse um latifundiário floral, eram sempre acompanhados de escritos, pequenas pérolas que Carlito, leitor atento e sensível, gostava de compartilhar com amigos e “querídolos” (o poeta Carlos Drummond de Andrade, em setembro de 1985, agradeceria o “farto material educativo-filosófico-humanista” que acompanhava as rosas recebidas).

As 18 internações psiquiátricas por “alcoolismo e química geral” afetaram severamente Carlos, mas Carlito lembra seu xará chapliniano que trabalha poeticamente os próprios abismos. Só se chega aos céus quando se deita raízes profundas no inferno (assim falou Niesztche). E como ensina Antonio Candido, os textos de Carlito são uma “confissão sem exibição, que abandona o ângulo pessoal restrito para se tornar auxílio, esperança e solidariedade”.

Tornou-se um dos mais importantes nomes da publicidade brasileira, depois do meteórico sucesso da Magaldi, Maia & Prosperi nos anos 60. A agência revolucionou o mercado publicitário com campanhas que mexiam com o jeito certinho de se fazer publicidade na época. Em vez de usar receitas consagradas da década de 50, a Magaldi, Maia & Prosperi era pura ousadia para os padrões vigentes. A campanha mais marcante, sem dúvida, foi a que lançou a Jovem Guarda – um dos primeiros movimentos da até então incipiente indústria cultural brasileira, colocando os ídolos do iê-iê-iê Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa na TV, no rádio e no cinema, embalados pelas marcas Jovem Guarda e Calhambeque. Em 1978, foi eleito Publicitário do Ano, no Prêmio Colunistas.

A urgência da criação publicitária (a criatividade é filha da necessidade, como ele dizia) deu a Carlito – diretor de criação em várias agências – a capacidade de aliar a preocupação dos produtos anunciados aos grandes problemas humanos. Em entrevista a Tarik de Souza, Carlito contou uma história exemplar:

“… na P.A. Nascimento (também de lá fui demitido pela mesma razão, alcoolismo, o dono da agência me botou na rua só porque eu enchia a cara na hora do expediente, essa é boa – encher a cara tem hora?) tive que fazer um anúncio pra Melhoramentos, vendendo o dicionário Michaelis. Saquei este prólogo da autobiografia de Russell, eu mesmo traduzi, só havia a versão original; mas eu acho que mandei um recado melhor do que vender dicionários da Melhoramentos, não mandei? Acho que foi um dos bons anúncios que já fiz, modéstia incluída”.

O golpe militar de 64, a ditadura, a lenta transição e a consolidação democrática que nunca se completa, a miséria brasileira que teima em persistir são algumas das inúmeras injustiças que ele não suportava. Daí sua aposta no novo, como o Partido dos Trabalhadores, por exemplo, do qual falava: “Eu não sou do PT, o PT é que é meu”. Pelo menos duas de suas criações para o PT entraram para a história: oOPTEI, gestado na fase embrionária do partido, e o LULA LÁ, que transformou-se num marco da campanha presidencial de 1989.

Tinha consciência da importância da criatividade na luta contra a iniqüidade. Como guerrilheiro da palavra, teve pequenas e importantes vitórias nas batalhas do mundo da comunicação. Num comício eleitoral (fosse do Lula, do Eduardo Suplicy ou de Luiza Erundina), aquela figura frágil (pela idade e pela magreza) resplandecia, radiante. Olhava a multidão com alegria porque sabia que, por menor que fosse, tinha uma parcela de responsabilidade naquela reunião pública de pessoas que, como ele, queriam mudar o mundo. Essa busca pela liberdade vinha de longe e nem mesmo nas piores ressacas perdia a esperança. Em abril de 64, uma semana depois da queda do presidente constitucional João Goulart, Carlito escreveu aos filhos:

“O ideal é unicamente esse: ser livre, mas livre como o ar, mas livre como a luz e como o espírito que vai onde lhe apraz, onde aspira, onde sonha, onde quer! Eu não sei até onde a liberdade poderá levar-me, a que praias remotas, a que abismos… Não sei. Mas eu irei com ela seja para onde for”.

Grande homem. Grande pai.

Malu, Maurício, Marquito, Luciana e Mariana

Fonte (texto integral): http://www.carlitomaia.etc.br/home.html